Não era seguro, era cilada. Cuidado ao contratar proteção para seu celular
Flávio Tasinaffo
24/09/2019 04h00
Fiz uma pesquisa informal. Minha pergunta foi: "Se o médico lhe receitar um remédio que você nunca precisou tomar antes, você vai ler a bula?" 70% das pessoas responderam que não. Trata-se de uma pesquisa simples, sem as técnicas de institutos renomados, mas que nos mostra um ponto preocupante.
Se as pessoas não têm o hábito de ler a bula de um remédio que afetará sua saúde, certamente não darão atenção à leitura de uma apólice de seguros para celular. Mas deveriam. Digo isto depois de avaliar diversos seguros e suas condições gerais. As cláusulas são complicadas e repletas de termos técnicos. Há, ainda, questões jurídicas envolvidas.
Para resumir: as seguradoras não fazem o pagamento do seguro em caso de furto simples. Mas, afinal, o que é um furto simples?
O furto simples ocorre quando, por exemplo, seu celular é retirado da sua bolsa, sem que você perceba.
É um crime que não tem violência nem grave ameaça. Acontece, frequentemente, no transporte público, em ruas e avenidas movimentadas e em grandes aglomerações, como em shows e eventos ao ar livre. Vale também para os furtos realizados pelos conhecidos "trombadinhas", que podem lhe dar um "leve esbarrão" e pegar seu celular sem que você note.
Não haverá cobertura porque não há meios de se comprovar que houve um furto. As seguradoras alegarão negligência do consumidor, por mais absurda e subjetiva que seja esta argumentação.
Reitero: este tipo de crime, um dos mais comuns, não recebe cobertura das seguradoras. Preste muita atenção!
Avalie, antes da contratação, qual o seu perfil, sua rotina, como você se locomove pela cidade e se está mais suscetível a um furto simples.
Há, também, o furto qualificado, que, de acordo com o código penal, é aquele que ocorre com destruição ou rompimento de obstáculo, abuso de confiança ou mediante fraude, escalada ou destreza, emprego de chave falsa ou mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Sem entrar nos termos técnicos, o que é importante alertar é que não são todos os furtos qualificados que recebem cobertura das seguradoras. As seguradoras cobrem apenas o crime de furto qualificado quando for com destruição ou rompimento de obstáculo.
Vou dar exemplos. Se o vidro do seu carro for quebrado e o seu celular for subtraído, ou se sua casa for invadida com arrombamento de portas ou janelas, tais eventos estarão cobertos pela seguradora. Por outro lado, se alguém usar uma chave falsa para entrar na sua casa, a seguradora não irá lhe ressarcir.
Fique atento a estas dicas:
- Na imensa maioria dos casos, o seguro é oferecido e contratado dentro de uma loja, no momento da compra do celular. O vendedor não é um profissional especializado no assunto e, ainda que esteja bem-intencionado, pode deixar de esclarecer diversos aspectos fundamentais, tornando quase impossível ao cliente compreender os riscos que não são cobertos pela apólice.
- Avalie todas as possibilidades, pesquise e consulte seguradoras diferentes e fale sempre com um corretor, que poderá lhe explicar detalhadamente as condições da apólice.
- Não adquira um seguro no calor da emoção.
- Lembre-se: na Justiça, geralmente, o que vale é o que está escrito e assinado. Então, leia atentamente as condições do seguro.
- Avalie a relação custo x benefício. Observe qual o valor irá pagar e quanto receberá no caso de uma ocorrência que receba cobertura. Faça as contas para não se frustrar depois.
A conta pode não fechar
Analisei um caso bastante preocupante em relação aos valores envolvidos. Um consumidor comprou um celular por R$ 639 e pagou mais R$ 296,49 pelo seguro, em 14 parcelas.
Havia uma cláusula que determinava que, após a quitação da 13ª parcela, a seguradora reduziria o valor da *indenização em 15%. Ou seja: no caso de uma ocorrência, pagaria ao consumidor apenas R$ 543,15, e não mais os R$ 639 investidos no aparelho. Porém, antes de receber este valor, o cliente precisaria arcar com 25% de franquia, equivalente a R$ 159,75.
Agora, reveja as contas e decida se valeu a pena contratar o seguro:
Seguro pago no dia da compra do celular | R$ 296,49 |
Franquia de 25% em caso de sinistro | R$ 159,75 |
Total dos gastos com o seguro | R$ 456,24 |
Ou seja, o cliente gastou R$ 456,24 para receber, no caso de algum sinistro, R$ 543,15. Então, ao final de tudo, só conseguiu mesmo receber de volta R$ 86,91.
O cliente tende a não fazer estas contas no momento da contratação, e fica com o simples entendimento de que receberá do seguro o valor exato que pagou pelo celular.
Espero que estas informações tenham sido úteis e o ajude no momento de contratar um seguro.
Por fim, o Tudo Golpe adverte: registrar um boletim de ocorrência contando uma mentira apenas para tentar receber o seguro é crime.
* Errata: Diferentemente do que fora informado na primeira versão do texto, após a quitação da 13ª parcela, a seguradora reduziria o valor da indenização e não do prêmio.
Sobre o Autor
Flávio Tasinaffo é advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal Econômico e tem 35 anos de experiência no segmento de prevenção à fraudes
Sobre o Blog
O blog Tudo Golpe é a extensão de um projeto criado por Flávio Tasinaffo (http://tudogolpe.com.br/) com o objetivo de alertar e ajudar as pessoas a não caírem em golpes rotineiros.