Como evitar que o sonho de fazer intercâmbio vire um pesadelo
Estudar no exterior requer bastante planejamento e cuidados para não ser enganado.
Normalmente, procura-se pela agência com antecedência em relação ao início do curso, seja de idiomas ou uma graduação.
O que algumas agências fazem? Recebem o pagamento do intercambista, mas não o repassam imediatamente para a instituição de ensino. Elas retêm o dinheiro, investem para obter mais lucro e, somente próximo a data da viagem, realizam a matrícula e enviam a carta de confirmação para o aluno.
"Por intermédio de uma agência de São Paulo, contratei um curso de inglês com duração de seis meses em Vancouver, no Canadá, e paguei antecipadamente. No meio do curso, lá pelo quarto mês, eu estava na classe, quando uma das responsáveis pela escola interrompeu a aula e pediu que eu a acompanhasse até seu escritório. Ela disse que eles não poderiam fornecer meu certificado, tampouco permitir que eu continuasse a frequentar o curso, já que não haviam recebido nenhuma mensalidade. Eu não entendi absolutamente nada. Expliquei que eu já havia feito o pagamento para a agência no Brasil e foi então que eu descobri que o valor não havia sido repassado para eles. Eu conhecia o proprietário da agência, as negociações iniciais haviam sido presenciais e, por várias vezes, conversamos por celular e WhatsApp antes e durante a viagem. Pensei que seria um mal-entendido e que, ao contatá-lo, tudo seria esclarecido, afinal, os próprios representantes da escola estavam surpresos porque era uma agência com a qual eles sempre tiveram parceria. Porém, ele não respondia mais as mensagens, não atendia nem a mim e nem a escola. Entrei em desespero, chorei muito. Estar lá, para mim, significava a realização de um sonho e o investimento de uma vida inteira. Eu havia ficado desempregada e utilizei o valor integral da minha rescisão neste projeto. De longe, tudo ficou mais difícil de resolver. Mandei mensagens, recorri às redes sociais e, por fim, quem cedeu foi a escola, que permitiu que eu desse continuidade aos estudos, forneceu meu certificado de conclusão e, suponho eu, assumiu o prejuízo", contou-nos uma seguidora de nossas redes sociais.
A economia no Brasil é muito volátil e este cenário, associado ao modo como as agências atuam, é o que causa tantos relatos de vítimas que tiveram seus sonhos ameaçados ou destruídos.
Vamos entender com alguns números – Imagine que uma agência, em julho do ano passado, tenha vendido cursos de inglês para o início de 2020 por U$ 10 mil cada, com o dólar a R$ 3,82. Porém, deixou para efetivar a matrícula no início de dezembro, com a cotação a R$ 4,21. A diferença entre o valor recebido e o que deverá ser repassado à instituição de ensino, por aluno, terá chegado a quase R$ 4 mil em um intervalo de apenas cinco meses. Multiplique por vendas em grande escala e, mesmo considerando comissionamento e eventuais ganhos com investimentos, não são raras as agências sem estrutura para sobreviver a estas variações, colocando seus estudantes em risco.
Como se proteger – Ao procurar uma agência, solicite (e exija em contrato) que a carta de matrícula lhe seja entregue o mais rapidamente possível. E entre em contato com a escola ou faculdade para confirmar se está tudo certo. Muitas destas instituições contam com representantes brasileiros (ou estrangeiros que falam português) e que poderão lhe prestar assessoria. Se não houver e você entender que seu nível no idioma local não lhe possibilitará esta comunicação, não hesite em pedir ajuda para alguém. Nossa reportagem consultou uma especialista que nos trouxe mais dicas para quem pretende estudar fora do Brasil:
"Quando você for buscar uma agência, um serviço de consultoria, certifique-se de sua idoneidade. Consulte o CNPJ (aqui no Canadá temos um business number), faça pesquisas em sites como o Reclame Aqui, consulte reviews para saber o que estão falando destas empresas, se outros alunos as recomendam ou se tiveram problemas. Hoje, principalmente com as mídias sociais, você pode fazer uma boa pesquisa na internet sozinho e descobrir muito sobre uma empresa", recomendou Letícia Mello, fundadora da Mellow Cultural Exchange, com sede no Canadá.
Outro fator importante, de acordo com Letícia Mello, é como a distância pode dificultar na hora de resolver um problema. "Tanto como intercambista, que já fui, quanto como profissional atuante no setor, posso dizer que é muito importante contar com um suporte local, principalmente se o aluno não for adulto ou se estiver sozinho e não conhecer nada do idioma".
O assunto é sério. Em junho do ano passado, por exemplo, a agência Time2Travel anunciou a suspensão de suas atividades prejudicando milhares de estudantes. Na época, até os funcionários foram pegos de surpresa e divulgaram uma nota oficial. Leia um trecho:
"Prezados clientes,
Nós funcionários/consultores da agência Time2 Travel, juntamente a vocês, recebemos essa notícia inesperada, nos abalando profundamente. Temos plena consciência de que essa situação muito crítica os abalou, como a nós também.
A notícia se espalhou de forma incontrolável, causando grande revolta para todos nós, pois também perdemos com tudo isso".
Em dezembro, funcionários e clientes da agência 4U Intercâmbio, com sede em São José dos Campos, no interior de SP, registraram boletins de ocorrência alegando que o dono do estabelecimento havia desaparecido com o dinheiro dos pacotes comprados, que incluíam cursos de inglês e acomodação para diferentes países. Centenas de estudantes foram lesados.
Há outra situação que afeta muitos estudantes brasileiros. É quando a instituição de ensino é quem encerra repentinamente suas atividades. Aconteceu com uma escola na Irlanda ano retrasado, frustrando o sonho de muitos intercambistas. Informe-se com sua agência se, em situações como esta, você está protegido por algum fundo ou cláusula que lhe assegure ressarcimento ou realocação em outra escola.
Também recomendo que pergunte sobre o reembolso no caso de algum imprevisto que o obrigue a cancelar a viagem.
Acomodação e o Golpe do Aluguel
Há muitos outros cuidados que devem ser observados em um plano de estudos no exterior. A acomodação é, indubitavelmente, um deles. "Se você pretende ficar em uma casa de família, ou deixar seu filho hospedado em uma, esta casa passa por uma triagem, a família passa por uma entrevista, precisa entregar um atestado de antecedentes criminais para as agências e para as escolas", alertou Letícia. Ela também comentou sobre a locação de imóveis via site: "As pessoas têm uma ideia de que só porque estão indo para outro país os sites são confiáveis. Não é bem assim. Muitas pessoas querem buscar acomodação na internet, é super delicado. Você entrar em um site, encontrar alguém que está alugando um apartamento, enviar seu dinheiro, sem nenhuma referência".
Nossa reportagem conversou também com Diego Gomes, cofundador e CEO da Van Sweet Home Consulting, empresa que presta assessoria na locação de imóveis no Canadá. Ele nos disse que "o primeiro passo é o estudante pesquisar bastante sobre a empresa e o proprietário com o qual pretende fechar o contrato. Buscar informações sobre a unidade e a respeito do site no qual esta unidade foi anunciada. O melhor caminho é buscar sites de empresas de gerenciamento de imóveis ou imobiliárias. Sites de anúncios como Craigslist, Kijiji, Padmapper , Zumper, entre outros, não são tão confiáveis quanto os sites das empresas". Diego também julga importante uma pesquisa sobre a região em que você pretende ficar para que consiga avaliar se o anúncio é verdadeiro. "Certificar-se de que o anúncio faz sentido também é um ponto importantíssimo. Uma pesquisa de valores de imóveis por região e tipo de unidade é essencial para entender o movimento do mercado imobiliário", completou.
Diego nos contou que grande parte dos golpes acontece quando os clientes acreditam em promoções fantásticas: "Quando a esmola é demais o santo desconfia! É da nossa cultura querer o melhor possível com o menor preço possível. Infelizmente, isso não acontece por aqui. A maioria dos golpes acontece exatamente por conta deste cenário. Um imóvel é anunciado muito abaixo do valor de mercado e o estudante acredita que ele conseguiu uma pechincha daquelas. Em um e-mail super bem elaborado, o anunciante pede um valor de adiantamento para que ele segure a unidade até que o estudante chegue na cidade e possa vê-la. Obviamente, quando recebe o valor, este anunciante some do mapa", explicou. Outra situação muito comum, segundo Diego, é o estudante fechar o acordo de moradia ainda no Brasil e, ao chegar no país de destino, a vaga já estar preenchida. "Já vi acontecer algumas vezes, infelizmente", comentou.
Se pretende estudar no exterior ou conhece alguém que esteja envolvido neste projeto, espero que estas dicas possam ajudá-lo a conduzir tudo com mais segurança.
Boa viagem.
Leia também: Férias frustradas – O Golpe da casa na praia
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